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Sancionada a Lei n° 14.701 de 20 de outubro de 2023

Sancionada a Lei n° 14.701 de 20 de outubro de 2023, com vetos parciais, que trata do reconhecimento, demarcação, uso e a gestão de terras indígenas

O Senado aprovou em setembro de 2023 o Projeto de Lei nº 2.903/2023, que seguiu para sanção ou veto do presidente da República e validava, contrariamente ao entendimento do STF, a tese do marco temporal.

Em 20 de outubro de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou parcialmente o Projeto de Lei nº 2.903/2023, com 34 (trinta e quatro) vetos no total, ouvidos o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Ministério dos Povos Indígenas e a Advocacia-Geral da União. A Lei n° 14.701 de 20 de outubro de 2023, que regulamenta o artigo 231, da Constituição Federal, para dispor sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas e, entre outros pontos, rejeita a tese do marco temporal.

O art. 4º do Projeto de Lei nº 2.903/2023[1], que se referia exatamente à recepção do marco temporal, foi parcialmente vetado. Em suas razões de veto, o despacho presidencial consignou que a proposição legislativa contraria o interesse público. Ademais, frisou-se que a proposta legislativa incorria em vício de inconstitucionalidade, vez que usurpava direito originário previsto no caput do art. 231 da Constituição Federal[2], que inclusive já havia sido rejeitada pelo STF.

Esse artigo 4º estabelecia para a comprovação de serem terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas brasileiros aquelas que, cumulativamente, na data da promulgação da Constituição Federal, fossem (i) habitadas em caráter permanente, (ii) utilizadas para suas atividades produtivas, (iii) imprescindíveis à preservação ambiental e ao bem-estar e (iv) necessárias à reprodução física e cultural, ressalvado o caso de renitente esbulho[3] devidamente comprovado.

Outro ponto relevante de veto foi o art. 6º[4], que franqueava a todos e a qualquer tempo questionar o processo administrativo demarcatório. O veto teve com fundamento a crítica de que a proposta legislativa contraria o interesse público por criar exigência incompatível e inexequível com o procedimento demarcatório. De fato, prever indiscriminadamente a possibilidade de discutir o procedimento a qualquer tempo e por qualquer interessado poderia tornar o procedimento, que já é bastante moroso, ainda mais tardio, gerando insegurança jurídica tanto para os particulares que possuem imóveis interferentes com as ocupações indígenas, como para os próprios indígenas que tem proteção constitucional a ser viabilizada.

Ainda quanto ao procedimento demarcatório, foram vetadas as propostas que impediam a ampliação das terras indígenas já demarcadas, a que determinava a adequação dos processos administrativos de demarcação ainda não concluídos, bem como tornava nula a demarcação que não atendesse aos preceitos previstos na lei. Nas razões do veto, defendeu-se a segurança jurídica dos atos administrativos, a proteção ao direito adquirido, o ato jurídico perfeito e à coisa julgada.

O parágrafo único do art. 20[5], que previa a instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico independentemente de consulta às comunidades indígenas ou a FUNAI foi vetado. Recebido com grande expectativa, a proposta legislativa, segundo as razões do veto, descumpria Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais, bem como à Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007).

Além disso, foi defendido que a proposição legislativa incorria também em vício de inconstitucionalidade, já que referidos temas, conforme art. 231 da Constituição Federal, devem ser regulamentados por meio de lei complementar e não de lei ordinária (como é o caso da Lei n° 14.701 de 20 de outubro de 2023), bem como porque a Constituição Federal prevê expressamente que a oitiva das comunidades indígenas é indispensável para a exploração hídrica e mineral, além do devido pagamento dos resultados da lavra.

Os artigos que foram mantidos pelo Presidente se referem, em geral, a disposições sobre a definição das Terras e Reservas Indígenas, sobre transparência no processo de demarcação e sobre a participação dos órgãos públicos no processo.

Destaca-se o art. 26[6], que embora parcialmente vetado, é dispositivo relevante que faculta e oportuniza o exercício de atividades econômicas em terras indígenas, desde que pela própria comunidade indígena, ainda que admitidas a cooperação e a contratação de terceiros não indígenas.

Cabe salientar que Congresso ainda deliberará em Plenário sobre o veto, sendo necessária a maioria absoluta dos votos de deputados e senadores para a rejeição do veto. Com tantos sujeitos e interesses envolvidos, é notório que ainda haverá muito o que se discutir.

A equipe de Assuntos Fundiários do Escritório William Freire Advogados Associados está à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos sobre o assunto.

FUNDIÁRIO | WILLIAM FREIRE ADVOGADOS ASSOCIADOS

Ana Maria Damasceno                    Letícia Bellesia Cavalli     


[1]

Projeto de Lei nº 2.903/2023Lei 14.701/2023
Art. 4º São terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas brasileiros aquelas que, na data da promulgação da Constituição Federal, eram, simultaneamente: I – habitadas por eles em caráter permanente; II – utilizadas para suas atividades produtivas; III – imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar; IV – necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 1º A comprovação dos requisitos a que se refere o caput deste artigo será devidamente fundamentada e baseada em critérios objetivos. § 2º A ausência da comunidade indígena em 5 de outubro de 1988 na área pretendida descaracteriza o seu enquadramento no inciso I do caput deste artigo, salvo o caso de renitente esbulho devidamente comprovado. § 3º Para os fins desta Lei, considera-se renitente esbulho o efetivo conflito possessório, iniciado no passado e persistente até o marco demarcatório temporal da data de promulgação da Constituição Federal, materializado por circunstâncias de fato ou por controvérsia possessória judicializada. § 4º A cessação da posse indígena ocorrida anteriormente a 5 de outubro de 1988, independentemente da causa, inviabiliza o reconhecimento da área como tradicionalmente ocupada, salvo o disposto no § 3º deste artigo. § 5º O procedimento demarcatório será público e seus atos decisórios serão amplamente divulgados e disponibilizados para consulta em meio eletrônico. § 6º É facultado a qualquer cidadão o acesso a todas as informações relativas à demarcação das terras indígenas, notadamente quanto aos estudos, aos laudos, às suas conclusões e fundamentação, ressalvado o sigilo referente a dados pessoais, nos termos da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais). § 7º As informações orais porventura reproduzidas ou mencionadas no procedimento demarcatório somente terão efeitos probatórios quando fornecidas em audiências públicas, ou registradas eletronicamente em áudio e vídeo, com a devida transcrição em vernáculo. § 8º É assegurada às partes interessadas a tradução da linguagem oral ou escrita, por tradutor nomeado pela Fundação Nacional do Índio (Funai), da língua indígena própria para o português, ou do português para a língua indígena própria, nos casos em que a comunidade indígena não domine a língua portuguesa.Art. 4º (VETADO): I – (VETADO); II – (VETADO); III – (VETADO); IV – (VETADO). § 1º (VETADO). § 2º (VETADO). § 3º (VETADO). § 4º (VETADO). § 5º O procedimento demarcatório será público e seus atos decisórios serão amplamente divulgados e disponibilizados para consulta em meio eletrônico. § 6º É facultado a qualquer cidadão o acesso a todas as informações relativas à demarcação das terras indígenas, notadamente quanto aos estudos, aos laudos, às suas conclusões e fundamentação, ressalvado o sigilo referente a dados pessoais, nos termos da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais). § 7º (VETADO). § 8º É assegurada às partes interessadas a tradução da linguagem oral ou escrita, por tradutor nomeado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), da língua indígena própria para o português, ou do português para a língua indígena própria, nos casos em que a comunidade indígena não domine a língua portuguesa.

[2] Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.

§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.

§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, “ad referendum” do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.

§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.

§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.

[3] Conflito possessório iniciado no passado e persistente até a data de promulgação da Constituição Federal.

[4]

Art. 6º Aos interessados na demarcação serão assegurados, em todas as suas fases, inclusive nos estudos preliminares, o contraditório e a ampla defesa, e será obrigatória a sua intimação desde o início do procedimento, bem como permitida a indicação de peritos auxiliares.Art. 6º (VETADO).

[5]

Art. 20. O usufruto dos indígenas não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional. Parágrafo único. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico serão implementados independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou ao órgão indigenista federal competente.Art. 20. O usufruto dos indígenas não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional. Parágrafo único. (VETADO).  

[6]

Art. 26. É facultado o exercício de atividades econômicas em terras indígenas, desde que pela própria comunidade indígena, admitidas a cooperação e a contratação de terceiros não indígenas. § 1º As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que elimine a posse direta pela comunidade indígena. § 2º É permitida a celebração de contratos que visem à cooperação entre indígenas e não indígenas para a realização de atividades econômicas, inclusive agrossilvipastoris, em terras indígenas, desde que: I – os frutos da atividade gerem benefícios para toda a comunidade indígena; II – a posse dos indígenas sobre a terra seja mantida, ainda que haja atuação conjunta de não indígenas no exercício da atividade; III – a comunidade indígena, mediante os próprios meios de tomada de decisão, aprove a celebração contratual; IV – os contratos sejam registrados na Funai.Art. 26. É facultado o exercício de atividades econômicas em terras indígenas, desde que pela própria comunidade indígena, admitidas a cooperação e a contratação de terceiros não indígenas. § 1º (VETADO). § 2º (VETADO).
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