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STF rejeita a imposição do marco temporal das terras indígenas

STF rejeita a imposição do marco temporal das terras indígenas, em paralelo, segue para veto ou sanção o Projeto de Lei nº 2.903, de 2023 que impõe o marco temporal às terras indígenas

Supremo Tribunal Federal rejeitou em 21/09/2023, sob a relatoria do Min. Luiz Edson Fachin, a tese do marco temporal a respeito dos direitos indígenas sobre a terra. A tese fixada em 27/09/2023, disposta em 13 tópicos, tem abrangência nacional, afetando todos os Tribunais e a Administração Pública. Trata-se do Tema de Repercussão Geral 1.031, decidido no Recurso Extraordinário 1.017.365/SC1. Entre os 13 tópicos, ressaltamos os seguintes:

  • A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição;
  • Existindo ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à promulgação da Constituição da República, aplica-se o regime indenizatório relativo às benfeitorias úteis e necessárias, previsto no § 6º do art. 231 da CR/88;
  • Ausente ocupação tradicional indígena ao tempo da promulgação da Constituição ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis, pela União.

Votaram contra a fixação do marco temporal para a demarcação de terras indígenas os Ministros Edson Fachin (Relator), Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber (Presidente). Votaram a favor os Ministros Nunes Marques e André Mendonça.

Os ministros decidiram que ocupantes não-indígenas de boa-fé, tais como fazendeiros, produtores rurais, empresas etc., que forem desapropriados em processos de demarcação de terras indígenas têm direito à indenização prévia pelo valor total da terra, e não apenas pelas benfeitorias realizadas, como prevê a Constituição.

A despeito do Min. Dias Toffoli ter sugerido a exploração mineral industrial nas terras indígenas, com a determinação de regulamentação peremptória pelo Congresso Nacional, a tese não foi aceita pelos demais magistrados, permanecendo, portanto, o entendimento atual: a atividade é permitida desde que com anuência expressa do Congresso Nacional e das comunidades indígenas afetadas.

Além desses dois importantes debates, os Ministros ainda tiveram a oportunidade de se pronunciar a respeito do redimensionamento das terras indígenas já demarcadas e da modulação de seus efeitos (isto é, a aplicabilidade da decisão no tempo, às situações passadas ou somente presente/futuras).

No caso da retificação da área demarcada, optou-se por somente permitir o redimensionamento mediante comprovação cabal de grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da terra, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados até a data de conclusão do julgamento.

Quanto à temporalidade dos efeitos dessa decisão, ressalvadas as exceções, são ex nunc, de forma que não retroagem a acontecimentos passados. Logo, descabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de terras indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimentos demarcatórios.

A princípio, a tese jurídica a ser adotada no recurso extraordinário, com repercussão geral (Tema 1031), será aplicada a pelo menos 226 processos com controvérsia semelhante que aguardam o posicionamento do STF e pacificará o entendimento sobre o tema, com o objetivo de mitigar a judicialização desses cenários.

A aplicabilidade ou não da teoria do marco temporal tem sido objeto de intensos debates, e certamente ainda será objeto de reflexões mais aprofundadas, sobretudo porque o Congresso Nacional, ainda no dia 27/09/2023, em contraposição à tese fixada pelo STF, aprovou Projeto de Lei que mantém a tese do marco temporal para terras indígenas. Em seus artigos, a minuta do Projeto de Lei nº 2.903, de 2023, dispõe, entre outros que:

  • Art. 4º São terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas brasileiros aquelas que, na data da promulgação da Constituição Federal, eram, simultaneamente:

I – habitadas por eles em caráter permanente;

II – utilizadas para suas atividades produtivas;

III – imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar;

IV – necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.

§ 1º A comprovação dos requisitos a que se refere o caput deste artigo será devidamente fundamentada e baseada em critérios objetivos.

§ 2º A ausência da comunidade indígena em 5 de outubro de 1988 na área pretendida descaracteriza o seu enquadramento no inciso I do caput deste artigo, salvo o caso de renitente esbulho devidamente comprovado.

§ 3º Para os fins desta Lei, considera-se renitente esbulho o efetivo conflito possessório, iniciado no passado e persistente até o marco demarcatório temporal da data de promulgação da Constituição Federal, materializado por circunstâncias de fato ou por controvérsia possessória judicializada.

§ 4º A cessação da posse indígena ocorrida anteriormente a 5 de outubro de 1988, independentemente da causa, inviabiliza o reconhecimento da área como tradicionalmente ocupada, salvo o disposto no § 3º deste artigo.

§ 5º O procedimento demarcatório será público e seus atos decisórios serão amplamente divulgados e disponibilizados para consulta em meio eletrônico.

§ 6º É facultado a qualquer cidadão o acesso a todas as informações relativas à demarcação das terras indígenas, notadamente quanto aos estudos, aos laudos, às suas conclusões e fundamentação, ressalvado o sigilo referente a dados pessoais, nos termos da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).

§ 7º As informações orais porventura reproduzidas ou mencionadas no procedimento demarcatório somente terão efeitos probatórios quando fornecidas em audiências públicas, ou registradas eletronicamente em áudio e vídeo, com a devida transcrição em vernáculo.

§ 8º É assegurada às partes interessadas a tradução da linguagem oral ou escrita, por tradutor nomeado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), da língua indígena própria para o português, ou do português para a língua indígena própria, nos casos em que a comunidade indígena não domine a língua portuguesa.

  • Art. 26. É facultado o exercício de atividades econômicas em terras indígenas, desde que pela própria comunidade indígena, admitidas a cooperação e a contratação de terceiros não indígenas.

§ 1º As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico que elimine a posse direta pela comunidade indígena.
§ 2º É permitida a celebração de contratos que visem à cooperação entre indígenas e não indígenas para a realização de atividades econômicas, inclusive agrossilvipastoris, em terras indígenas, desde que:
I – os frutos da atividade gerem benefícios para toda a comunidade indígena;
II – a posse dos indígenas sobre a terra seja mantida, ainda que haja atuação conjunta de não indígenas no exercício da atividade;
III – a comunidade indígena, mediante os próprios meios de tomada de decisão, aprove a celebração contratual;
IV – os contratos sejam registrados na Funai.

O Projeto de Lei nº 2.903, de 2023, altera profundamente a legislação relacionada aos direitos dos povos indígenas, sendo considerado, para muitos, texto inconstitucional em seu sentido formal e material. Para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, em parecer favorável à aprovação, a inconstitucionalidade foi rejeitada, sob o fundamento de que o Projeto de Lei nº 2.903, de 2023, tão somente positivava em lei o entendimento já adotado pelo STF nos julgados do caso Raposa Serra do Sol.

O Projeto de Lei nº 2.903, de 2023, segue para a sanção presidencial, revelando que ainda há muito a se debater. O veto ou a sanção do projeto segue em prazo aberto de 29/09/2023 a 20/10/2023.

A equipe de Assuntos Fundiários do Escritório William Freire Advogados Associados está à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos sobre o assunto.

                                                                                           Belo Horizonte/MG, 10 de outubro de 2023.

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