O Senador Rodrigo Pacheco apresentou no último dia 31 de janeiro o Projeto de Lei nº 03/2025, que tem como objetivo disciplinar o Processo Estrutural no Brasil. O texto do PL apresentado foi elaborado por uma Comissão de Juristas, instaurada em junho de 2024, presidida pelo Subprocurador-Geral da República Augusto Aras, e relatada pelo Desembargador Federal Edilson Vitorelli. Essa comissão apresentou em outubro de 2024 o seu relatório final, contendo a proposta de legislação sobre o tema.
O PL 03/2025 é especialmente relevante para alguns setores econômicos que lidam com coletividades e bens jurídicos de caráter coletivo lato sensu, porque pretende estabelecer uma disciplina processual própria para aqueles processos que demandarem um remédio interinstitucional reestruturante e com características prospectivas. Atualmente, esses processos são regidos pelas normas aplicáveis aos processos coletivos, como a Lei de Ação Civil Pública, Lei de Ação Popular, Código de Defesa do Consumidor, entre outras legislações, o que os torna menos eficazes do que poderiam ser.
A ideia é que, dadas as características muito próprias dos litígios estruturais, como a multipolaridade, o policentrismo, a necessária prospectividade das medidas estruturantes, e o estímulo à consensualidade, o ordenamento jurídico consiga dar respostas também estruturais, de forma a conferir efetividade ao próprio procedimento judicial. Naturalmente, a proposta de lei parte de algumas premissas que hoje não são positivadas na legislação, como a flexibilidade do procedimento, o estímulo à ampla participação e à representatividade adequada dos grupos e interesses, e o estímulo ao diálogo interinstitucional.
A título de exemplo, inúmeras demandas relacionadas a danos ambientais de grandes extensões e magnitude, ações envolvendo reassentamentos de comunidades, ou mesmo aqueles casos em que o Poder Público precisa estar envolvido para efetivar algum tipo de política pública, poderiam ser tratadas sob a ótica dos processos estruturais. Temos muitos casos estruturais em curso no Brasil[1]. A ação civil pública de reestruturação da Agência Nacional de Mineração (ANM), processo de nº 1005310-84.2019.4.01.3800, foi uma das primeiras ações a serem expressamente denominadas como tal, e acabou dando origem a uma série de medidas implementadas pela União e pela ANM para reestruturação do setor de fiscalização de barragens de mineração do país.
Acompanhamos de perto este tema dos processos coletivos estruturais, não apenas porque é muito relevante para a comunidade jurídica, mas também porque tem o potencial de modificar substancialmente toda a dinâmica de tratamento dos litígios coletivos dessa natureza e complexidade. No âmbito do setor mineral, agroindústria e energia, especialmente, a aprovação do PL pode ter impactos significativos na condução das demandas judiciais que adquiram tais contornos.
Sobre este tema, já tivemos a oportunidade de produzir diversos artigos e estudos[2]. Espera-se um debate intenso a respeito das disposições trazidas no texto do Projeto de Lei, já que são realmente inovadoras no âmbito do processo coletivo no Brasil.
Resolução de Disputas
Ana Maria Damasceno – sócia.
[1] Há inúmeros outros casos, como a ADPF 347, em que se discute a falha estrutural do sistema prisional brasileiro; ADPF 709, que trata do plano de enfrentamento da pandemia da COVID-19 em relação à população indígena; ADPF 939, que tem como objeto o problema estrutural das filas de requerimentos administrativos pendentes de decisão pelo INSS, a Ação Civil Pública nº 93.8000533-4, ou ACP do Carvão; o processo nº 5009033-59.2010.4.04.7200, que tramitou perante a 6ª Vara Federal de Florianópolis (SC), proposto pelo Ministério Público Federal em face do município de Florianópolis, Biterra Empreendimentos Imobiliários Ltda. e Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina – FATMA, por alegadas irregularidades no Loteamento Biterra “Porto da Costa”, situado em Lagoa da Conceição, e tantos outros.
[2] THIBAU, T. C. S. B. ; FARIA, Ana Maria Damasceno de Carvalho . : A LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA DOS PROCESSOS COLETIVOS ESTRUTURAIS: REPRESENTATIVIDADE ADEQUADA E PARTICIPAÇÃO COMO EIXOS FUNDAMENTAIS DO ACESSO À JUSTIÇA. In: Adriana Goulart de Sena Orsini; Cibele Aimée de Souza; Wilson de Freitas Monteiro. (Org.). Acesso à Justiça pela via dos direitos em perspectiva. 1ed.São Paulo: Editora Dialética, 2023, v. , p. 159-181.
FARIA, Ana Maria Damasceno de Carvalho. REFLEXÕES SOBRE A (NÃO) CONFORMAÇÃO DO PROCEDIMENTO ARBITRAL PARA O TRATAMENTO DE LITÍGIOS COLETIVOS ESTRUTURAIS. In: Leonardo Silva
FARIA, Ana Maria Damasceno de Carvalho. A liquidação de sentença como etapa fundamental ao cumprimento de sentenças estruturais. In: ARENHART, Sérgio Cruz; JOBIM, Marco Félix. (Org.). Processos Estruturais. 2ed.Salvador: Juspodivm, 2019, v. , p. 157-178.
NUNES, L. S. ; COTA, S. P. ; FARIA, Ana Maria Damasceno de Carvalho. DOS LITÍGIOS AOS PROCESSOS ESTRUTURAIS: pressupostos e fundamentos. In: FARIA, Juliana Cordeiro de; REZENDE, Ester Camila Gomes Norato; NETO, Edgard Audomar Marx. (Org.). Novas tendências, diálogos entre direito material e processo: estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro Júnior. 1ed.Belo Horizonte: Editora D´Plácido, 2018, v. , p. 365-383.